domingo, 10 de agosto de 2008

Donato Sartori no Rio de Janeiro


Hoje terminou o seminário que o Donato Sartori deu no Rio de Janeiro.

A mostra se chama "A Máscara Teatral na Arte dos Sartori. Da Commedia dell´Arte ao Mascaramento Urbano".
Foram 3 dias onde ele e Paola Piizzi falaram sobre a família Sartori e seus 80 anos dedicados à pesquisa e trabalho com máscaras.
Além de ser a maior sumidade no assunto, ele dá aula na Universidade de Padova, a mais antiga da Itália. Faz pesquisa in loco visitando tribos pelo mundo para conhecer ritos, festas e máscaras de povos em Bali, India, Bolívia e por aí vai...
Contou pra uma platéia de menos de 30 pessoas (que vergonha!!!) fatos interessantíssimos como o de uma vez em que foi fazer uma pesquisa numa ilha e o cara do barco que havia levado o grupo disse que voltaria em algumas horas com mantimentos. Pois bem, o cara só voltou 40 dias depois e nesse tempo eles tiveram que sobreviver na base do peixe, bem Robson Crusoé.
Mostrou seu trabalho que ele chama de arte social onde "teias de aranha" são feitas nas cidades, movendo-se com o vento e com o pricipal objetivo de incentivar o público a interagir com a sua arte. Aqui no Rio em 95 tentou fazer o que já vinha fazendo nas principais capitais européias desde 80, só que aqui ficou apenas como uma instalação na Cinelândia, pq a organização do evento foi falha (que vexame de novo).
A exposição que ainda está na Galeria da Caixa é magnífica. Quem trabalha com teatro tem obrigação de ir. Quem é curioso ficará de boca caída. O trabalho é realmente muito impressionante.
Até o Venício (um dos coordenadores do projeto "Sentidos da Máscara Teatral: uma metodologia para a dramaturgia do Ator" aprendeu algo quando fez uma perguntinha sobre Pulcinella).
Falando nisso, vcs sabiam que Pulcinella vem de "pintinho" pq o som que ele faz vibrando a voz dentro da máscara lembra o cacarejar de uma galinha?
Aprendemos que a verruga do Arlechino na testa é a marca do chifre que era cortada das máscaras diabólicas pelos atores para poderem sobreviver na Idade Média, quando a Igreja não permitia que ninguém usasse tais máscaras.
Aprendemos também que a verruga do Pulcinella tem a ver não com os chifres do Arlechino, mas com a sujeira dos portos de Napoli, onde o personagem fez sucesso depois de ter migrado para o sul da Itália. Todos pensam que ele vem de Napoli, mas segundo o Sartori não, ele nasceu no norte da Itália e depois desceu (essa foi a que o Venício aprendeu).
Expectadores surdos tinham tradução simultânea naquele ballet lindo de quem sabe falar a língua deles. Vários faziam perguntas ao Sartori e se eu tivesse uma câmera naquele momento vocês veriam quão emocionante foi ver o Sartori, a Paola, a tradutora (Patricia Furtado, fez UniRio na mesma época que eu), a Elke e o Venício (fundadores do Moitará) hipnotizados pelo senhor surdo que fazia a pergunta através dos gestos ao tradutor. Ele queria saber se o Sartori conhecia algum surdo que tivesse se apresentado com máscaras. Parecia filme, uma cena impactante que eu jamais esquecerei. Depois do tradutor terminar a pergunta para o Sartori, ele respondeu: "não, nunca vi ... (segundos eternos de sentença de impossibilidade) ,,, mas nada impede que seja feito. Ser surdo não é uma incapacidade corporal que impeça a comunicação". Que lindoooooooooooooooo! (nesse momento as lágrimas caíram).
Mas o que me faz escrever esse relatório hoje foi a constatação de algo chocante. Pelo menos para mim. Este monstro do teatro confessou ficar muito triste quando hoje em dia dá aula na Universitá di Padova a turmas de alunos totalmente desinteressados do que se passa no mundo. Ele disse: "dou aula para alunos que ficam sentados nas cadeiras, não abrem a boca e não reagem a nada do que acontece. Em 68 eu fiz a minha parte. Agora cabe a vocês fazerem a de vocês." Detalhe que o cara faz a tal arte social até hoje com as estruturas corporais que ele apresenta.
De certa forma fiquei um pouco aliviada, porque identifiquei a mesma sensação com que muitas vezes saio de sala de aula. Isso é tão frustrante...
Fiquei pensando numa saída para isso, mas não sei se há. Se esse cara, monstro do teatro, com tradição de 80 anos na arte de máscara diz isso dando aula para alunos da Univ. de Padova, fico imaginando se aqui no Rio de Janeiro, em turmas de alunos que nem se interessam por teatro, seria diferente.
O que me dá esperança é ver o trabalho de pessoas como a Elke e o Venício que batalham há anos no Moitará, conseguem trazer o Sartori ao Rio e seguem fazendo teatro com a maior dignidade. É gente assim que faz valer a pena continuar.

Para quem quiser ir à exposição ainda há tempo:
Formada por 186 peças, a mostra é concebida como uma viagem imaginária através das fases históricas da máscara e de seu uso no teatro, da Grécia antiga ao Império Romano, do extraordinário mundo medieval à Commedia Dell'Arte, até Goldoni e o teatro novo. Essa viagem particular através da máscara se conclui com a mágica teatralidade criada pelos "mascaramentos urbanos" de Donato Sartori, uma dilatação do conceito de máscara para os espaços abertos e arquitetônicos da cidade, concebidos e experimentados antes de serem exportados para todo o mundo. Documentos, imagens, desenhos, máscaras, bem como desenhos e esboços formam o abrangente acervo que poderá ser apreciado até 7 de setembro na Grande Galeria da Caixa Cultural no Rio de Janeiro.Donato Sartori é uma das maiores referências de artista pesquisador sobre a Máscara Teatral. É diretor do “Centro Maschere e Strutture Gestuali” em Padova, Itália, no qual reúne um grupo multidisciplinar dedicado ao estudo dos aspectos etnológicos e cênicos da realidade da Máscara, considerada em toda a sua complexidade, e diretor do “Museo Vivente della Maschera”, onde estão as obras que recontam o percurso artístico de Donato e de seu pai, Amleto Sartori, e também um importante acervo de máscaras de todo o mundo.
Data: terça-feira, 5 de agosto de 2008 - domingo, 7 de setembro de 2008
Horários: terça a sáb., das 10h às 18h; dom. 11h/15h
Local: Teatro Nelson Rodrigues, Caixa Cultural - Avenida Chile, 230, Centro
Organizado por: Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro; Grupo Teatral Moitará
Em colaboração com: Caixa Econômica Federal
Entrada livre
Fonte: Site do Instituto Italiano de Cultura Rio de Janeiro

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Empire: love to love you baby, by Ricky Seabra (o cara de pau)


Quem vê os sorrisos não imagina o trabalho que dá montar uma peça.
Peça estreada na Bélgica em inglês sob a direção do Dirk Verstockt (o de longas madeixas da foto).
O projeto Díptico é do multiperformático Ricky Seabra (o do cartaz e também aquele entre as duas moçoilas). A produção, do João Braune Fomenta (Soul guy).
Durante a entrevista para a TV de Brasília, Ricky lembrou do dia em que nos conhecemos num centro cultural onde alguém fazia uma exposição, e depois de apresentações mútuas, ao saber que ele andava pelos palcos do mundo sem nunca ter feito curso de ator, perguntei: ah, então você é cara de pau mesmo? (câmera vira em minha direção no momento em que ele aponta para mim, que assistia da platéia aquele momento glamour do meu atual ator preferido).
Fiquei me perguntando sobre o ofício do ator. Nesta época em que todas as peladas dos programas sobre a vida de ninguéms se espalha numa velocidade-luz, e da noite pro dia aqueles que têm orgulho em não gostar de ler viram celebridades, fico pensando se a vida não é feita de caras de pau. Não de caras de pau como o Ricky, que brinca com o fato de ser um, ao constatar que para subir no palco temos que antes de mais nada acreditar no que temos a dizer.
Mas de caras de pau como esses grupos de pessoinhas que constroem suas vidas após toparem ficar dias encarcerados numa casa com mordomias que jamais teriam, não fosse tal acordo.
Penso ainda: será que a arte do século 21 é isso? dividida entre quem tem o que dizer e quem não tem o que dizer e mesmo assim abre a boca?
Ricky está no grupo dos que têm o que dizer. Vi seu trabalho pela primeira vez dividindo palco com Andréa Jabor em Isadora.Orb e aquela viagem ao mundo das brincadeiras sérias do Ricky me fascinou. Não quis ir ao camarim ao final da apresentação por ser último dia de temporada, e no último dia queremos recolher as coisas e um bom banho quente.
Dois meses mais tarde nos encontramos no tal centro cultural e o diálogo chegou ao ser ou não ser um cara de pau. Sim, Ricky tomou para ele este rótulo e tempos depois fez com que todos soubessem dele, em cadeia nacional. E riu disso. E me faz rir da vida. Da vontade de fazer teatro, de apostar na arte, no mundo que pode ser melhorado através dela.
Ricky agora está na Holanda, esperando Dirk, e juntos darão um workshop para alguns diretores de teatro. Este curso será sobre o teatro no século 21. Discutirão temas, questões atuais, desafios e formas de tratar tais assuntos pela arte. Depois de 3 meses nesse brainstorming Ricky voltará para o Brasil para fazer o Palco Giratório do SESC, levando seu trabalho pelas cidades do nosso país, com Isadora. Orb, o trabalho que me fez querer conhecer esse ator (depois de Empire já o considero um ator) com cara de menino. Inteligentíssimo, culto, antenado com tudo o que acontece no mundo, e possuidor de uma sensibilidade imensa. Ricky diz que o que o fez me convidar e também a Sônia Destri (na foto, a moçoila de lado) foi o nosso entusiasmo. Diz ele que contou sobre o projeto de Empire a centenas de pessoas e apenas nós duas (Thank God!) mostramos energia e interesse pelo projeto. Engraçado, hoje em dia é a mesma sensação que tenho quando converso com milhares de pessoas que cruzam meu caminho apenas para exporem seus próprios umbigos, projetos que só interessam a elas mesmas...e se esquecem de perguntar: e você, o que tem feito?
Mas isso é assunto para um outro dia.
Hoje é dia de comemorar e homenagear esse Homem de Teatro (quem me inspirou a criar este blog) Ricky Seabra.
Ricky: obrigada por apostar no entusiasmo, seu cara de pau!
Longa vida à Imperatriz!